25 DE ABRIL SEMPRE
Escrito por Jorge Gaspar em Abril 24, 2021
Esta é a altura em que se começa a perguntar: “onde é
que estavas no 25 de Abril?”
Pois então , na noite de 24 para 25 de Abril eu estava no
Coliseu dos Recreios, a ouvir “A Traviata “. O espectáculo
tinha sido extraordinário, todos a aplaudirmos de pé o
Alfredo Kraus e a Joan Sutherlanda , e a atirar cravos
para o palco.
Cheguei a casa e liga-me uma tia velha a dizer que parecia
que estava a acontecer qualquer coisa na Baixa, estava lá
a tropa.
Só me lembro de dizer ao meu marido “toma conta dos
miúdos” –e lá fui também para a rua.
Claro que nem voltei a casa, e só me lembro de, na
manhã do dia 25, entrar a correr pelo “Diário Popular”,
onde então trabalhava, e dizer para o chefe de redacção:
“se o senhor hoje me corta nem que seja uma vírgula, eu
nunca mais ponho os pés nesta casa!” Ele nem levantou
os olhou do que estava a fazer e só disse: “minha
senhora, nesta casa nada mudou !”
Horas depois era saneado .
Por muito estranho que isso hoje me pareça, para mim o
dia 25 de Abril só acabou no 1º de Maio. Não me lembro
de ter ido a casa, nem de me ter deitado, nem de ver os
meus filhos, nada—foi um único dia, onde não parei um
momento.
Pintámos cartazes, inventámos slogans, berrámos, e
cantámos–e lá se chegou, não sei como, ao dia 1º de
Maio. Todos para a grande manifestação.
Combinei ir com o Sttau Monteiro e outros camaradas,
mas a gente era tanta que nos desencontrámos. O Sttau
esticava-se todo para ver se descobria, naquela multidão,
o cartaz do Sindicato dos Jornalistas, para irmos ter com
eles. Era difícil mas, ao fim de algum tempo, lá o
descobrimos : duas enormes tesouras, simbolizando os
cortes da censura.
Corremos pelo meio da multidão,e lá nos encaixámos.
Estranhámos não ver nenhum dos nossos camaradas, mas
se calhar já iam mais à frente.
E só ao fim de mais de uma hora de correrias, e berros, e
palmas é que descobrimos que tínhamos vindo a desfilar,
garbosamente, com o Sindicato dos Barbeiros.
“AS MINHAS HISTÓRIAS NAS ONDAS DO ÉTER”