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“A ARTE DA POESIA” 13 JUNHO 13:30/14:30H ALICE VIEIRA

Escrito por em Junho 12, 2020

No âmbito da divulgação cultural na NTR, celebra-se e vive-se POESIA, numa conversa sobre Poesia e seus Autores nos dias de hoje.
“Se um poema não tomou de assalto um homem, das duas uma: ou não era um poema, ou não era um homem.
Resolver em sede de tribunal. Ou na rua.” (Vasco Gato)
Ou aqui na NTR. Em A ARTE DA POESIA.

Numa conversa pulsando Poesia, a presença de Alice Vieira.

O seu traço Poético, pois tudo o que seja Poesia é escrito à mão. Até porque é outra pessoa quando escreve poesia. E a afinidade com a Poesia de José Tolentino de Mendonça.

ALICE VIEIRA

“ama os teus sonhos
como o teu próximo
ou como os sonhos
do teu próximo
mas se o teu próximo
não tiver sonhos
convém mandar o teu próximo
para muito longe
donde não te possa
contaminar “

  “Com as palavras de todos os dias
com as cansadas palavras com que me esgoto de sol
e árvores mansas
com as doces palavras com que te penso
com as mortas palavras com que dou o teu nome
às aves que passam

venho dizer-te
                    a única verdade pela qual não se luta
                    com espadas nem bandeiras
louca        como um tiro
rouca       como o pranto antigo
que um dia se sorri

com a ternura de todos os dias
com a branda ternura com que lembro as tuas mãos
com a estranha ternura com que espero o teu corpo

venho dizer-te
                    que há noites enlaçadas de solidão
                    pousadas longamente nos meus ombros”

O MISTÉRIO ESTÁ TODO NA INFÂNCIA

[poema que Tolentino de Mendonça apresentou ao Papa Bento XVI, numa tradução para italiano]

E, por fim, Deus regressa
carregado de intimidade e de imprevisto
já olhado de cima pelos séculos
humilde medida de um oral silêncio
que pensámos destinado a perder
Eis que Deus sobe a escada íngreme
mil vezes por nós repetida
e se detém à espera sem nenhuma impaciência
com a brandura de um cordeiro doente
Qual de nós dois é a sombra do outro?
Mesmo se piedade alguma conservar os mapas
desceremos quase a seguir
desmedidos e vazios
como o tronco de uma árvore
O mistério está todo na infância:
é preciso que o homem siga
o que há de mais luminoso
à maneira da criança futura

em “A noite abre meus olhos”
ed. Assírio & Alvim

Editou o seu primeiro livro de poemas no mesmo ano que foi ordenado padre, em 1990. Foi com 16 anos que escreveu o primeiro de todos, “A infância de Herberto Helder”, que é, na verdade, um poema sobre a sua própria infância na Madeira.

A INFÂNCIA DE HERBERTO HELDER

[primeiro poema de Tolentino de Mendonça]

No princípio era a ilha
embora se diga
o Espírito de Deus
abraçava as águas

Nesse tempo
estendia-me na terra
para olhar as estrelas
e não pensava
que esses corpos de fogo
pudessem ser perigosos

Nesse tempo
marcava a latitude das estrelas
ordenando berlindes
sobre a erva

Não sabia que todo o poema
é um tumulto
que pode abalar
a ordem do universo agora
acredito

Eu era quase um anjo
e escrevia relatórios
precisos
acerca do silêncio

Nesse tempo
ainda era possível
encontrar Deus
pelos baldios

Isto foi antes
de aprender a álgebra

em “A noite abre meus olhos”
ed. Assírio & Alvim

Os versos

Os versos assemelham-se a um corpo
quando cai
ao tentar de escuridão em escuridão
a sua sorte

nenhum poder ordena
em papel de prata essa dança inquieta

A presença mais pura

Nada do mundo mais próximo
mas aqueles a quem negamos a palavra
o amor, certas enfermidades, a presença mais pura
ouve o que diz a mulher vestida de sol
quando caminha no cimo das árvores
«a que distância da língua comum deixaste
o teu coração?»

A altura desesperada do azul
no teu retrato de adolescente há centenas de anos
a extinção dos lírios no jardim municipal
o mar desta baía em ruínas ou se quiseres
os sacos do supermercado que se expandem nas gavetas
as conversas ainda surpreendentemente escolares
soletradas em família
a fadiga da corrida domingueira pela mata
as senhas da lavandaria com um «não esquecer» fixado
o terror que temos
de certos encontros de acaso
porque deixamos de saber dos outros
coisas tão elementares
o próprio nome

Ouve o que diz a mulher vestida de sol
quando caminha no cimo das árvores
«a que distância deixaste
o coração?»

Murmúrios do mar

Paga-me um café e conto-te a minha vida

O inverno avançava
nessa tarde em que te ouvi
assaltado por dores
o céu quebrava-se aos disparos
de uma criança muito assustada
que corria
o vento batia-lhe no rosto com violência
a infância inteira
disso me lembro

Outra noite cortaste o sono da casa
com frio e medo
apagavas cigarros nas palmas das mãos
e os que te viam choravam
mas tu não, tu nunca choraste
por amores que se perdem

Os naufrágios são belos
sentimo-nos tão vivos entre as ilhas, acreditas?
e temos saudades desse mar
que derruba primeiro no nosso corpo
tudo o que seremos depois

«Pago-te um café se me contares
o teu amor»


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