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“A ARTE DA POESIA" 13:30/14:30H ALBERTO PEREIRA.

Escrito por em Junho 5, 2020

UMA VIAGEM AO HOMEM DE HOJE.

No âmbito da divulgação cultural na NTR, celebra-se e vive-se POESIA, numa conversa sobre Poesia e seus Autores nos dias de hoje.
“Se um poema não tomou de assalto um homem, das duas uma: ou não era um poema, ou não era um homem.
Resolver em sede de tribunal. Ou na rua.” (Vasco Gato)
Ou aqui na NTR. Em A ARTE DA POESIA.

“A ARTE DA POESIA” 13:30/14:30H ALBERTO PEREIRA. UMA VIAGEM AO HOMEM DE HOJE.

Numa conversa pulsando Poesia, a presença de Alberto Pereira, a propósito do seu livro “Viagem à demência dos pássaros” (2017). O poeta conduz-nos, por uma viagem que não é nem geográfica nem histórica, mas que se enraíza nos grandes temas, que, ao longo dos séculos, têm perseguido o humano. As afinidades do autor com o poeta espanhol Antonio Gamoneda,  uma das vozes mais poderosas e singulares da poesia espanhola, na primeira abordagem a um Poeta internacional.

“Alguém entrou na memória branca, na imobilidade do coração.

Vejo uma luz debaixo da neblina e a doçura do erro me faz cerrar os olhos.

É a ebriedade da melancolia; como aproximar o rosto de uma rosa enferma, indecisa entre o perfume e a morte.”

Viagem à Demência dos Pássaros compõe-se de três secções: Monólogos do Báltico, Cartas à Arquitectura da Geada e Crónicas do Nevoeiro, que podem ser lidas autonomamente como entidades devidamente estruturadas, mas também como etapas de um périplo cujo término surge nos quatro últimos poemas do livro, curiosamente formado por dísticos isolados e por um poema de estrutura estrófica dual também ela dística.

Alberto Pereira

Nasceu em Lisboa. É licenciado em Enfermagem.

Pós-graduado na área Forense. Diplomado em Hipnose Clínica.

É membro do PEN Clube Português.

Publicou os livros: O áspero hálito do amanhã  (2008), Amanhecem nas rugas precipícios  (2011), Poemas com Alzheimer  (2013), O Deus que matava poemas (2015), Biografia das primeiras coisas (2016), Viagem à demência dos pássaros (2017). Em 2017, foi editado no Brasil Bairro de Lata, na icónica colecção Dulcineia Catadora, na qual participaram grandes nomes da poesia brasileira como Manoel de Barros e Haroldo de Campos.

Participou em colectâneas de contos e poesia das quais se destacam: Antología de Poesía Iberoamericana Actual, Antologia da Moderna Poética Portuguesa, Textos de Amor  (Museu Nacional da Imprensa), À Sombra do Silêncio/À L’Ombre du Silence , Inefável, Cintilações da Sombra III, Bicicletas para Memórias & Invenções IV e V , Revista Caliban, Palavra Comum, Nervo III, Cintilações I e II. Alguns dos seus poemas foram traduzidos para espanhol e francês.

Obteve os seguintes prémios literários: 1º Prémio do Concurso de Poesia, “Ora, vejamos” (2008); 1º Prémio no Concurso de Poesia da ACAT (2009); 3º lugar no Prémio Sepé Tiaraju de Poesia Ibero-Americana, entre 3027 obras inscritas de 26 países (2009); 1º Prémio do Concurso de Conto “Ora, vejamos” (2009); 1º Prémio do Concurso Literário Conto por Conto (2011); 1º Prémio no XIV Concurso de Poesia Agostinho Gomes (2013); 1º Prémio no Concurso Literário Manuel António Pina, Museu Nacional da Imprensa (2013); Menção Honrosa no Prémio Internacional de Poesia Glória de Sant´Anna (2018) e (2020).

Viagem à Demência dos Pássaros

(…) Palavras selvagens,

sílabas nuas de cieiro,

unhas a crescer nas estrofes

e um moinho onde possa matar

a hipertensão do ego

Nenhuma candeia se acende com lepra

(p 18)

Parece que ainda te vejo chegar.

É indecente que continues a passear-te pelo meu corpo.

A insistir em masturbar falésias.

(…)

O whisky é um sedativo para as melodias que ladram.

Vou açaimando os animais revoltos no sótão cardíaco.

(p 42)

Vivo no fígado,

Cidade enrugada que recita solidão à cirrose.

Coincide o teu corpo

com o que Saramago decifrou dos escombros de Deus.

(p 43)

A beleza rouba muitas horas à devoção.

E eu que sempre gostei de mulheres de t-shirt mal alinhada.

Calças de ganga.

Cabelos soltos para o vento fazer o que quiser.

Mulheres com vestígios de areia por baixo das unhas

Para levarmos Agosto a todos os lugares.

Mas não.

Nunca me fizeste a vontade.

Passavas séculos com os dedos estendidos.

As cores a saírem dos frascos.

E o seu cheiro a matar a areia que delirava debaixo delas.

Sentado nesta esplanada,

Sei que a ruina se aluga aos órgãos mais inconformados.

(pp 42–43)

De árvore em árvore,

crescer nos incêndios.

(p 66)

Quantas paisagens cruéis são precisas

para que a pele cheire ao nevoeiro perfeito?

(p 67)

O homem,

viagem à demência dos pássaros.

(p 69)

Houve um tempo em que as aves

não estavam embaciadas.

As asas não tiveram

a sorte de Ulisses

e Ítaca

é a melodia do pranto.


Ficámos sós,

a matar as teclas,

com o piano pendurado nos olhos.

(p 57)

II

Tarde aprendi,
homem que não fala com o seu Inverno
cresce-lhe a erva nos olhos.
O meu pai sempre disse,
“a mulher é uma árvore de coração movediço,
quando a resina lhe chega aos lábios
somos uma imagem em chamas”.

O amor,
apartamento de duas assoalhadas.
Uma,
com vistas magníficas
que prometem perfumar lâminas.
A outra,
espaço onde o tempo repete às vísceras
o meticuloso acordo entre a tempestade e a morte.

Afinal,
a vida não cheira continuamente
a um piano que toca flores.
O céu metido em prateleiras
apaixona-se pela lei da gravidade.
E cair não é bom para ninguém.
Também os deuses
em contacto com o solo
imitam o cristal.

Os meses têm dentes.

E eis-nos,
a dar a última demão no vento
para citarmos de novo
um corpo que foi Agosto.

O amor é uma pistola
que faz férias no paraíso.

V

Sabes, meu amor,
adoro os pássaros que voam
quando as árvores já não são suas.
A biografia do coração
raramente esquece a queda das folhas.

E o que é o voo para lá do Outono?

Não me digam para guardar
o vento na garganta
ou que as tempestades
são retratos de um hospício.
O teu corpo ensinou-me,
o Verão é um felino
e a hierarquia das garras
só o tempo a sabe.
É certo, as nódoas têm sinos,
mas no pináculo do perfume
ninguém observa versos rotos.

Ainda te quis quando a pólvora
tocava os últimos acordes nos ramos.
Não tinha aprendido,
aparar as unhas à neve
serve para pintar biombos nos olhos.
Se tivesse ouvido Dostoiévski ou Gógol
e bebido as sombras de São Petersburgo,
sabia, o ouro das catedrais
assimila a mágoa da cidade.

Sabes, meu amor,
a eternidade procura sempre uma corda no céu.


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