A BLUSA VERDE
Escrito por Jorge Gaspar em Março 27, 2021
Não sou mulher de superstições.
Mas desde há para aí 50 anos que não transijo num pormenor: nunca me
visto de verde.
Digamos que é mania minha.
Mania assente em factos de tempos idos, quando eu era jovem, vivia
muito longe da pátria e pensava que todos os amores eram eternos.
Quando um dia descobri que não eram, senti-me a pessoa mais infeliz do
mundo e, talvez porque me encontrava na cidade mais romântica do
mundo, decidi tomar a atitude romântica de nunca mais na vida me vestir
de verde, que era a cor da saia que eu levava nessa manhã de despedida.
E nunca mais me vesti de verde.
Até que há uns tempos tomei uma atitude verdadeiramente heróica.
Tinha sido convidada para um programa de televisão, e a única
recomendação que me tinham feito era “não vista riscas nem bolas”
Foi então que pensei:
— É agora! Nada melhor para acabar de vez com esta tolice.
No próprio dia da emissão entrei numa loja,e vá de mexer em todas as
blusas , até que por fim encontrei uma blusa de seda verde. Pago, peço
que tirem todas as etiquetas porque “é para usar já!”
Com ela vestida meti-me num táxi e corri para os estúdios.
Prendem-me um microfone à blusa (verde), e lá me sentam ao lado do
jornalista, que está ligado à régie onde, segundo depreendo, lhe estão a
dar uma ordem de última hora.
–Olhe, da régie estão a perguntar se não se importa que a sua blusa vá
aparecer azul em vez de verde. É que o cenário atrás de si é verde e, por
isso, temos de mudar a cor, senão não se distingue nada.
E lá apareci no écran. De azul.
Enfiei a blusa verde para o fundo do armário, donde só a hei-de tirar um
dia para oferecer a alguém . Tenho a certeza que isto foi um aviso dos
deuses. E com eles não quero brincadeiras.
“AS MINHAS HISTÓRIAS NAS ONDAS DO ÉTER”