Se imagina as típicas bonecas russas, umas dentro das outras, quando ouve a palavra matriosca, pense outra vez. Porque mesmo sem um dicionário ao lado, podemos garantir-lhe que o verdadeiro significado desta palavra é A Peça Que Dá Para o Torto. Sim, quando se senta na plateia do Auditório dos Oceanos, no Casino Lisboa, para assistir a esta peça de teatro, prepara-se para ver duas encenações ao mesmo tempo. É que o elenco – composto por Inês Castel-Branco, Joana Pais de Brito, Cristóvão Campos, Telmo Ramalho, entre outros – dá vida aos membros de um grupo de teatro amador na representação de uma história com muito mistério, O Crime na Mansão Haversham. Mas, se acha que vai sentir-se apenas intrigada com a narrativa, engana-se. O mais provável é acabar a lutar contra as lágrimas (de tanto rir) e a rogar pragas por não ter escolhido a máscara de pestanas à prova de água quando se maquilhou. Tudo porque, claro, a peça dá para o torto.
Entre partes do cenário que caem, atores que se esquecem das falas e adereços que não estão no lugar certo, a intriga vai-se desenrolando e as gargalhadas enchem a sala. Mesmo atrás da cortina, é impossível conter o riso. «Nós estamos lá atrás e temos ataques de riso que temos de controlar», conta Joana Pais de Brito, à ELLE.pt, adicionando acreditar nunca ter feito «uma coisa tão delirante». «E tenho feito muito humor», repara.
A culpa é de Henry Lewis, Jonathan Sayer e Henry Shields, os cérebros por trás do texto original, que estreou em Londres há cinco anos, e de Nuno Markl, quem teve nas mãos a tradução e adaptação da peça para a versão portuguesa. Além destes, também Hannah Sharkey, encenadora inglesa, e Frederico Corado, encenador residente, tiveram um papel relevante nos momentos hilários de A Peça Que Dá Para o Torto.
De Londres a Lisboa
Enquanto replica show – isto é, uma reprodução na íntegra de um espetáculo já existente, adquirido, neste caso, pela UAU, que faz com que a peça seja apresentada nos seus moldes originais, mesmo no que diz respeito a guarda-roupa, desenhos de luz, som e cenário -, a peça manteve-se o mais fiel possível ao texto original. «Traduzi o texto com todo o cuidado para que não se perdesse nada da britishness e para que ele, ainda assim, comunicasse com clareza com o público português», diz Nuno Markl, em comunicado.
Ainda assim, existiu espaço para pequenas (ou mínimas) alterações, «mas dentro da mesma linha», garante Joana Pais de Brito. Inês Castel-Branco confirma-o e explica como era necessário que essas mudanças acontecessem. «O texto está cheio de referências britânicas e, aqui, o Markl conseguiu adaptar com alguma maestria para a nossa realidade e para o nosso humor, que é diferente do britânico», esclarece. «No fundo, as maiores dificuldades que tivemos foi em escolher algumas palavras, como, por exemplo, as que o Perkins [a personagem que Igor Regalla veste] lê na mão. Os trocadilhos, lá [em Londres], eram difíceis de fazer cá. Mas acho que acabamos por tomar opções válidas e engraçadas», adiciona.
Apesar de ser um guião rigoroso (uma vez que é um replica show e que, por isso, é necessário «respeitar uma encenação», refere Joana Pais de Brito), coube também, neste, a improvisação. «Acho que a Hannah Sharkey, a encenadora, veio para cá com exatamente tudo delineado, como queria fazer. As marcações de onde tu sais, por onde tu vais, são exatamente iguais a Londres, mas tens liberdade criativa para fazer o que quiseres ao ir de um ponto para outro. Por exemplo, o meu ataque de pânico, que, depois, todos os outros têm de imitar, é completamente diferente do da atriz de Londres. E nesse aspeto a Hannah deu-nos imensa liberdade e ria-se muito connosco», revela Inês.
Para o palco
Depois de viajarem, juntos, até ao Reino Unido, para ver a peça original, o elenco começou a preparar-se para dar vida à versão portuguesa. Para a protagonista de Snu, isso significou «procurar um bocadinho sobre os anos 20, as poses que elas [as mulheres que viveram nessa década] faziam» e como funciona o teatro mais voltado para a plateia. De acordo com a atriz, esta foi a parte mais complexa. «Estar sempre a reagir ao público e a apresentar as falas para este, em vez de estar a falar para o outro ator, isso, para mim, acho que foi o mais desafiante», admite. «Estamos muito habituados a que haja aí [na plateia] uma parede. Não nos é permitido olhar para a plateia e, aqui, é exatamente o contrário. Nós queremos ganhar a plateia através de olhares diretos», acrescenta.
Além disto, existiu ainda uma grande preparação física, o que é possível adivinhar imediatamente ao ver o espetáculo. Antes de começar cada ensaio, no palco, os atores unem-se para fazer exercício físico. «O nosso colega Telmo [Ramalho], além de ser um ator muito talentoso, tem uma formação física genial e é muito bom professor, por isso nós temos, todos os dias, quase uma aula de crossfit», refere a também humorista.
Um humor (menos) britânico
Conhecido pelo seu sarcasmo contundente, mas, ao mesmo tempo, subtil, o humor britânico atravessa, naturalmente, A Peça Que Dá Para o Torto. Contudo, é essencialmente a comédia física – aka quedas, encontrões e até adereços que se incendeiam – que arranca gargalhadas da plateia. «A comédia física nunca vai morrer. Pelo contrário», declara Castel-Branco. «A prova disso é que a casa hoje [esta quarta-feira, 12 de fevereiro, o dia da estreia da peça] veio abaixo, as bilheteiras estão a vender bastante e tenho a certeza que vamos ter a casa cheia», concluiu.