ANJO DA GUARDA
Escrito por Jorge Gaspar em Março 13, 2021
Há pessoas que passam pela nossa vida, nem sequer durante
muito tempo, mas que nunca mais esquecemos.
Eu estava a viver em Paris, anos 60, quando um dia me
telefonam de Lisboa a dizer que o namorado que eu tinha
largado, muito zangada, era uma pessoa diferente, cheio de
saudades minhas, muito magro, mas eu que fizesse o que
entendesse.
Decidi logo ali apanhar o primeiro avião de regresso
Nem vos explico as voltas que dei, aquilo que fiz, as pessoas com
quem tive de falar—mas de repente vi-me sentada num avião
para Lisboa.
A meu lado uma senhora ,já de certa idade, olhou para o meu ar
atarantado e meteu conversa comigo. Falava francês com um
sotaque estranho, que eu então não percebi qual seria, e
passados poucos minutos, eu estava a contar-lhe a minha vida
toda.
Ela ouviu tudo e no fim só perguntou:
— E ele vai estar no aeroporto à sua espera?
Disse-lhe que não sabia, que não tinha falado com ele, e ela, logo:
— Então fazemos assim : se ele lá estiver, muito bem. Mas se não
estiver, vai comigo para casa, fica lá, descansa e amanhã de
manhã telefona-lhe. O nosso avião vai chegar lá pelas duas da
manhã, a essa hora não vai sozinha para a rua.
Ele estava lá.
Ela quis-lhe ser apresentada, e disse-lhe :
— Trate bem dela!
Depois chamou-me de lado e disse.
— Amanhã ligue-me. Se estiver tudo bem, óptimo. Se não estiver
vem logo para minha casa.
Telefonei-lhe na manhã seguinte, e na outra, e na outra — e, até à
sua morte, liguei-lhe sempre no Natal, e no fim do ano, e
quando ela fazia anos.
Chamava-se Fedora Matias, era grega e mulher do então
embaixador Marcello Mathias.
Fazia anos no dia 6 de Março. Por isso me lembrei dela agora.
“AS MINHAS HISTÓRIAS NAS ONDAS DO ÉTER”