AS MINHAS HISTÓRIAS NAS “ONDAS DO ÉTER” CRÓNICA SEMANAL DE ALICE VIEIRA
Escrito por Jorge Gaspar em Agosto 22, 2020
LIVROS PARA DEITAR FORA

Confesso: não sou capaz de deitar fora livros. Até porque pertenço a um tempo em que não se deitava nada fora.
Para lá de receber muitos livros (os meus amigos pertencem quase todos ao ramo), eu ainda sou uma compradora compulsiva!
Periodicamente, lá encho caixotes de livros que vou enviando para bibliotecas ou escolas: livros que sei que nunca mais vou reler, livros que tenho em várias reedições, ou até livros de que eu, pessoalmente, não gosto, mas entendo que outros amem de paixão.
Mas não é desses que estou a falar: refiro-me àqueles que não mereceriam (se eu fosse capaz…) outro destino a não ser o lixo. Tão maus, ou tão inúteis, que não me passa pela cabeça dá-los nem ao meu pior inimigo.
Nos primeiros tempos da revolução, quando, de repente, descobrimos que podíamos viajar para os países até então proibidos da Europa de Leste, era fatal: regressávamos todos de lá vergados ao peso de toneladas de volumes encadernados com todas as intervenções dos camaradas nos diversos órgãos de soberania dos seus países. E –requinte dos requintes!– na sua língua original.
Lembro-me de ter tido de comprar um saco só para nele enfiar os discursos do camarada Jivkov, que me ofereceram na minha primeira ida à Bulgária.
Digam-me: o que é que eu lhes faço?
Contava o meu querido amigo Alçada Baptista que uma das suas tias, ao ver-se confrontada com a pergunta de uma das criadas (“o que é que eu faço às velhas listas do telefone?”) terá respondido: “ dê a um pobrezinho.”
Se calhar, vou seguir-lhe o exemplo. Tal como eu, ela também era de um tempo em que não se deitava nada fora.