“BUENOS AIRES”
Escrito por Jorge Gaspar em Fevereiro 27, 2021
Às vezes acordo com umas saudades malucas de lugares onde já
não vou há muito .
Buenos Aires é um desses lugares.
Em 2005 estive na província de El Chaco, o lugar mais miserável
da Argentina. Basta dizer que a capital da província só tinha uma
rua alcatroada. Mas existe lá uma fundação, dirigida pelo escritor
Mempo Giardinelli, que faz milagres. Todos os anos convida
escritores para lá irem falar com as crianças , ler-lhes histórias,
conversar com eles, pô-los a ler e a escrever—e a gostarem
disso.
Eu fui com um escritor cubano e outro uruguaio. Não foi uma
tarefa fácil e, por isso, no fim do nosso trabalho, ofereceram-nos
três dias em Buenos Aires, com tudo pago.
Nesses três dias nunca me deitei. De dia andava pelo Atenéo,
uma das livrarias mais bonitas do mundo: um antigo teatro, onde
não mexeram em nada, só que a plateia e os camarotes estão
cheios de livros ; e de noite ia com o cubano e o uruguaio dançar
o tango até de manhã.
Na véspera da nossa partida chegámos ao hotel aí pelas 5 da
manhã, para fazermos as malas. Mas enquanto esperávamos o
elevador, o cubano agarrou-me pela cintura e ainda demos ali
mesmo uns passos de dança, e ele dizia “depois de velho é que
me deu para isto”, e o uruguaio ria,
até que olhei para o empregado da recepção,
que estava com umas trombas que metiam medo.
“Vamos embora,” digo eu , “olhem para a cara dele, estamos a
fazer uma grande barulheira, devemos estar a acordar os outros
hóspedes!”
Íamos já a entrar no elevador, quando ele me chama.
Eu ia já com milhentas desculpas a caírem-me da boca, quando
ele, seriíssimo, me diz: “ fiquem sabendo que ninguém é velho
em Buenos Aires!”
E estava muito, mas mesmo muito zangado.
“AS MINHAS HISTÓRIAS NAS ONDAS DO ÉTER”