EMISSÃO ESPECIAL AS CORES DOS AUTORES "DIA MUNDIAL DA POESIA"
Escrito por Jorge Gaspar em Março 20, 2020
AS CORES DOS AUTORES.
Na tela da Rádio, Histórias, Conversas, Ideias, Sensibilidades. Esculpindo Memórias. Produz Realiza JORGE GASPAR.
Emissão Especial 21 Março “DIA MUNDIAL DA POESIA” 14.30/16.30H
No dia Mundial da Poesia, a presença de Alice Vieira e Mário Máximo, numa conversa sobre a importância da Poesia na nossa vida nos dias de hoje.
Poema de todos os dias – ALICE VIEIRA
Com as palavras de todos os dias
com as cansadas palavras com que me esgoto de sol
e árvores mansas
com as doces palavras com que te penso
com as mortas palavras com que dou o teu nome
às aves que passam
venho dizer-te
a única verdade pela qual não se luta
com espadas nem bandeiras
louca como um tiro
rouca como o pranto antigo
que um dia se sorri
com a ternura de todos os dias
com a branda ternura com que lembro as tuas mãos
com a estranha ternura com que espero o teu corpo
venho dizer-te
que há noites enlaçadas de solidão
pousadas longamente nos meus ombros
Poema para o sonho dos dias plenos – Mário Máximo
Não se levantam brumas nem sóis
O mundo deixou de se enquadrar por latitudes
e longitudes
A altura das estrelas aceitou o olhar dos homens
mas ainda rejeita a compreensão das suas ciências
Explicam-se nos livros antigos as verdades de amanhã
Aquelas que também são procuradas nos versos
que edificam poemas que hão de ficar esquecidos
pelos manuais da inutilidade
mas que serão sempre reencontrados
nas arcas onde se confinam os segredos
que um dia voltarão a levantar as sociedades e os homens
Há sempre uma nova tradução para a palavra esperança
E um novo filósofo para cada visão
Mas as nascentes de onde as visões emergem
têm a autoria de profetas
não de filósofos
Hoje dizer profeta é dizer uma palavra de ontem
Mas serão essas as palavras
que um dia voltarão a levantar as sociedades e os homens
Corpos de mulheres constroem instalações de artistas
Lançam-se pelos declives dos versos
Esses corpos femininos que anunciam
as versões dos mundos da diferença
Amanhã será outro tempo
Dizem esses artistas sem saber o que dizem
E nós contemplamos
Contemplamos e nada dizemos
ou contestamos
Compreender o corpo feminino
continuará a ser o grande desafio
Percorremos o mundo global
como se percorrêssemos uma galeria de arte moderna
As novas teorias são reflexos dos mundos práticos
Enquanto noutros tempos
eram os mundos práticos que refletiam as novas teorias
Saudade
Não
A saudade deixou de ser um sentimento
a levar em conta
O saudosismo é um estado de alma
onde nem sequer na Era de Pangeia
encontraríamos vestígios
Saudade não tem explicação no dicionário
Os dicionários da modernidade
foram impressos sem essa palavra
Mas tu adormeces
e no esplendor do teu corpo de mulher
vejo a saudade de amanhã
Sim
terei amanhã saudade da tua boca
e do aroma suave de todo o teu corpo
Uma vez desvendado o códex
da paixão que nos ilumina
nada mais terá interesse ou valimento
e repudiarei todas as regras de qualquer sociedade
que me queiram impor
Agora que acordas e me diriges o olhar da surpresa
Todas as manhãs o teu olhar é o olhar da surpresa
Sei que poucas verdades haverá
como poder amar o teu corpo e ser por ele desejado
Poucas verdades haverá
como a verdade de te saber
nessa transcendente dimensão onde nos encontramos
para desespero de todos os que nos querem destruir
Estamos e vivemos onde nunca eles sonharão
Agora que todas as ordens vêm de fora
Que os discursos dos homens
deixaram de ser redigidos
com o autor virado para o templo do coração
Agora adormecemos sem canções de embalo
O mundo está à beira de se tornar
um mero ato gestionário
E pior do que essa condição
é a existencialidade aceitar
que se intrometam os valores sem valor
Na esfera dos caminhos utópicos
desvelam-se aquelas que hoje são consideradas
as pequenas verdades
Mas errado
errado porque essas é que são as grandes verdades
Guardemos as pequenas verdades
no lugar sagrado da poesia
para que um dia voltem a ser reveladas
e as mulheres e os homens do mundo
retornem ao romance de viver
Não se observam
daqui onde me encontro refugiado
sinais de novas terras ou continentes
Mas também não se levantam brisas
que me façam chegar o aroma
de ilhas onde as árvores de fruto
sejam o alimento das utopias a criar
Mulher extraordinária aguardo a tua chegada
Entretanto segue o tempo
contado por relógios rodando ponteiros
ao serviço de outras convenções
E isso faz sentido e constitui desafio
Beijar-te será uma esperança de poema
e uma cor a mais inventada
O teu corpo é o teu espírito de mulher extraordinária
porque o contém
Mas o teu espírito nunca será o teu corpo
Mulher assim extraordinária
não te observo ainda
daqui onde me encontro refugiado
Quem és
irmão de boa fraternidade
Pergunto onde te encontras
Chamo por ti Grito o teu nome
sem saber quem és
Aguardo por esse dia em que sinta
o toque da tua mão
no meu braço mais desprotegido
Não quero continuar na solidão
dos que conhecem o mundo mas ignoram a vida
Serei humilde na espera
E enquanto isso
enquanto espero sem anunciar compromissos
vou urdindo
esta sucessão de versos
que hão de ser versos eternos
porque tal é a minha vontade e inspiração
Serei humilde na espera
enquanto vou cinzelando estátuas de sílabas
e palavras estátuas de versos
na edificação deste poema para o sonho dos dias plenos