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EMISSÃO ESPECIAL AS CORES DOS AUTORES "LIVRARIA GALILEU CASCAIS"

Escrito por em Março 14, 2020

AS CORES DOS AUTORES.

Na tela da Rádio, Histórias, Conversas, Ideias, Sensibilidades. Esculpindo Memórias. Produz Realiza JORGE GASPAR.

Emissão Especial 14 Março – 14.30/16.30H

A CRUEZA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NA ESCRITA DE TERESA MARTINS MARQUES «A MULHER QUE VENCEU DON JUAN».

Emissão Especial, com gravação evento realizado a 1 de Março, na Livraria Galileu em Cascais, inaugurada em 22 Dezembro 1972. Espaço de culto, referência cultural, lugar com Alma, um relicário de livros antigos, dirigido pela sua fundadora Caroline Tyssen.

Conversas sobre o livro de Teresa Martins Marques “A Mulher que Venceu Don Juan, com a chancela Âncora Editora. A presença, além da Autora, de Julieta Monginho, (Prémio Fernando Namora 2019 e Prémio PEN Clube Português 2019), que apresentou a obra, lendo o texto que se reproduz abaixo.

Escolha o leitor uma larga tarde, como aquelas em que deixávamos um filme por ver para ir ao facebook à procura do capítulo semanal do folhetim. Venha o leitor masculino com o desconforto de quem entra em terreno movediço. Sabendo de antemão que há-de ser uma mulher a vencedora do confronto, o triunfo que lhe resta consiste em não se identificar com o vencido Don Juan, o predador, aquele que destrói o outro para sobreviver ao combate que trava consigo próprio e com a sua imagem, personificação de vários tipos que, no seu grau mais virulento, se torna um “serial killer dos afectos”, nas palavras da narradora.

Nesta viagem de rigor e aventura, não tenha o leitor medo de se marear, mesmo quando subir para uma embarcação ao sul. Há-de saltar da beleza para o horror no mesmo parágrafo, tal como na vida. Há-de encontrar nas paisagens deslumbrantes o palco dos actos mais atrozes. Contrastes, dicotomias: entre força e fraqueza, entre realidade e aparência, entre liberdade e escravidão. A autora sabe ao que vem, trata de definir os campos em confronto. De um lado as personagens que sabem amar: Sara, a quem ao nascer todas as graças foram dadas. Bela, rica, bondosa, culta e ingénua, caindo na rede de um sedutor. Luís, o professor brilhante e ingénuo, também ele vítima de uma Doña Juana. Lúcia, a psicóloga de passado misterioso, anjo da guarda das mulheres em fuga. Manuela, a jovem que escapa à condição de vítima e se entrega ao estudo do Diário do Sedutor, de Kierkegaard, defendendo uma tese, intitulada “Retórica Amorosa de Don Juan. Sombras da Sedução”, destinada a entender a origem profunda do donjuanismo. Da qual, apesar da persistência da dúvida filosófica, emerge uma ideia-força principal: Don Juan não ama as mulheres que conquista em série, através da arte da palavra: Amaro, cirurgião plástico, o mais odioso biltre; Joana, também ela fazendo vida da aparência, o correspondente feminino de Don Juan, no que constitui uma das especificidades mais interessantes do romance; Manaças, um  falhado, através de quem se  descrevem os métodos de sedução, num diálogo que evoca a conversa entre Don Juan Tenorio e Don Luís,  em  Don Juan Tenorio, de Zorrilla (1844).   

O amor romântico não se opõe ao amor erótico, antes o integra como bênção fruída. O confronto dá-se com o amor assimétrico, baseado em relações de poder, o que redunda na negação do próprio amor. Afirma-se, isso sim, a crença na durabilidade da relação baseada no respeito, na liberdade, na doação. Nas palavras da narradora “amar é um verbo transitivo”. Um verbo que pede um complemento, um alguém que é outro em si, prolongando a alteridade no novo ente relacional. Uma nova entidade que, não sendo simbiótica, transcende a mera soma aritmética. O amado integra-se neste novo ser, proposto e esculpido pelo amor.

 No ensinamento que a autora nos deixa, um dos ingredientes do amor assimétrico, ou seja da negação do amor, é a ausência de liberdade, por oposição à sua presença no amor verdadeiro. Este preceito – só há amor em liberdade – é repetido ao longo do texto como um refrão, uma ideia que Sara repete para não claudicar, que todas as Saras devem pôr em prática para não perecerem. A liberdade e, acima de tudo, a lucidez da liberdade, não pode sucumbir perante a ilusão do amor idealizado. Esta afirmação de liberdade, contra as relações baseadas no domínio de um sobre o outro, estende-se ao laço filial, o que liga Lúcia à sua filha Joana. A autora aborda este laço por um ângulo pouco visitado na literatura, o da inversão dos papéis tradicionais de autoridade e tirania, como se desta feita fossem os filhos a engolir Cronos. De certo modo prolonga o questionar do instinto maternal, na senda, por exemplo, de Elisabete Badinter, na sua obra significativamente intitulada L’Amour en Plus, traduzido e publicado em português com o título O Amor Incerto. Este romance assume o propósito do que costuma chamar-se o empowerment da mulher, por oposição à sua nulificação. A começar pelas companheiras da Casa Abrigo, cada uma delas com o seu dote próprio, especialmente o de Maria para a cozinha, não importando a sua origem, aliás heterogénea. Ao ler as passagens em que convivem, numa leveza recém-adquirida, apetece-nos aplaudi-las, a elas e a quem, através das associações que as apoiam, no caso deste livro a APAV. A diversidade de origens das mulheres que habitam a Casa Abrigo serve à autora de pretexto, como tantos outros, para viajar através da riqueza cultural do país, de Trás-os-Montes ao Algarve, demonstrando que este território construído está inscrito num mapa inapagável, que a crise morde, mas não vence.

 Neste romance-ensaio muito terá a aprender sobre o amor, mas também sobre história, arquitectura, criminologia, sexo, música, gastronomia, língua dinamarquesa, pintura, cinema, automóveis, psicoterapias e organização doméstica. O folhetim e o livro são duas obras distintas, na estrutura, na consistência, no pacto narrativo. Ficou também um romance cuja ligação a quem lê não se esgota no acto da leitura. Não é Sara quem vence Amaro ou Luís quem vence Joana. No dia em que perdem o medo, deixam, simplesmente, de os alimentar, libertando-se do jogo em que, pelo temor e pela aceitação do sofrimento, tinham participado. Don Juan é vencido pela sua própria incapacidade de escolher. A autora será uma das raras mulheres, que ousaram abordar directamente a figura de Don Juan, aparecida em El Burlador de Sevilla (1630), depois de Zorrilla, Cervantes, Goldoni, Lorenzo da Ponte – o autor do libreto de Don Giovanni, a célebre ópera de Mozart – Balzac, Byron, Pushkin, Dumas, Baudelaire, António Patrício, Saramago, Almeida Faria. E todo o resto da vasta bibliografia oferecida pelo texto. “Vês, vês, eu também sei contar a história”, diz Sara à criada/ama, no doce tempo da infância. Sim, Teresa Martins Marques sabe contar a história, e sabe recontá-la a partir de um ponto de vista vigorosamente novo.     

(Julieta Monginho) 

«Há um tempo para rir e um tempo para chorar. O meu tempo de chorar tem sido muito longo. Dias de sol transformados em chuva, miudinha, cinzenta, da que molha os tolos, como eu tenho sido, como eu sou. Molha a alma, transforma a vida em lama. E é fácil transformar a alma em lama. Basta trocar-lhe duas letras. Vou estender a lama ao sol a secar, para ver se as lágrimas evaporam e talvez a alma comece a vir à superfície, saída do fundo de lodo, ainda presa aos limos. Deixá-la branquinha, a rebrilhar, será uma questão de tempo.»

Teresa Martins Marques é escritora e ensaísta, actual Presidente do PEN Clube Português, triénio 2019-2022.

Doutora em Literatura e Cultura Portuguesa pela Universidade de Lisboa (2011). Mestre em Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea (1992) e licenciada em Filologia Românica (1975) pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

A nível profissional foi professora orientadora de estágios no ensino secundário e autora de programas e manuais escolares para o ensino secundário. Na década de 80 participou ativamente na discussão da Lei de Bases do Sistema Educativo, aprovada a 14 de Outubro de 1986 (Lei n.º 46/86). Integrou, entre 1992 e 1995, a equipa do Instituto de Lexicologia e Lexicografia da Academia das Ciências de Lisboa, colaborando na terminologia literária.

Dirigiu a edição das obras completas de José Rodrigues Miguéis prefaciando os treze volumes desta coleção editada pelos Círculo de Leitores entre 1994 e 1996.

Coordenou, entre 1997 e 2004, a equipa de organização do espólio literário de David Mourão-Ferreira na Fundação Calouste Gulbenkian. A sua tese de doutoramento reflete este trabalho pois aborda o percurso do sujeito alusivo à viagem de regresso de Ulisses – o herói de David Mourão-Ferreira.

Desde 2006 é investigadora integrada no Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e desde 2008 é membro da direção da Associação Portuguesa de Escritores, da Associação Portuguesa de Críticos Literários e do PEN CLUB português.

Integrou júris de ficção, poesia e ensaio de diversos prémios entre os quais foram galardoados Eduardo Lourenço, Maria Helena da Rocha Pereira, Eugénio Lisboa, João Rui de Sousa, Vasco Graça Moura, José Gil, Maria Velho da Costa, Lídia Jorge, Hélia Correia, Nuno Júdice, entre muitos outros.

Excelente oradora e comunicadora proferiu grande número de palestras e conferências, quer em Portugal, quer no estrangeiro, como, por exemplo, Brasil, França e Itália, entre outros locais, e colaborou nas mais prestigiadas revistas literárias portuguesas e brasileiras e em quatro dezenas de volumes colectivos de ensaio.

Iniciou-se na ensaística, em publicação individual, com Si On Parle du Silence de la Mer (Editora Danúbio, 1985), o qual se centra em torno da novela de Vercors Le Silence de la Mer, publicada em 1942 pela Éditions de Minuit.

O livro O Eu em Régio: a Dicotomia de Logos e Eros (1.ª ed., 1993; 2.ª ed., 1994) foi agraciado com o Prémio de Ensaio José Régio / 1989.

Em 1994 editou O Imaginário de Lisboa na Ficção Narrativa de José Rodrigues Miguéis (1ª ed., Editorial Estampa, 1994; 2ª ed., Círculo de Leitores, 1996; 3ª ed., Editorial Estampa, 1997), prefaciado por David Mourão-Ferreira, e no qual analisa as representações de Lisboa a partir dos contos de José Rodrigues Miguéis, incindindo principalmente sobre Saudades para a Dona Genciana e os romances A escola do Paraíso, O Milagre segundo SaloméUma Aventura inquietante, Nikalai Nikalai, Idealista no Mundo Real, O Pão não cai do céu

Em Leituras Poliédricas (1ª ed., s.e., 1996, 2ª ed. refundida e aumentada, Universitária Editora, 2002), prefaciado por Maria Lúcia Lepecki, Teresa Martins Marques reúne ensaios sobre Cesário Verde, Gomes Leal, Raul Brandão, José Régio, José Rodrigues Miguéis, Vitorino Nemésio, Eugénio Lisboa, Fernando Aires, João de Melo e Onésimo Teotónio Almeida.

A sua tese de doutoramento foi refundida e aumentada em Clave de Sol – Chave de Sombra. Memória e Inquietude em David Mourão-Ferreira (Âncora Editora, 2016), no qual analisa a obra de David-Mourão Ferreira, fruto do contacto com o espólio deste e usando materiais literários e não literários éditos e inéditos, apresentando novas linhas de leitura acentuando as polarizações da memória e da inquietude

Para além do ensaio Teresa Martins Marques também enveredou por outros géneros, como a biografia (O Fio das Lembranças – Biografia de Amadeu Ferreira – Âncora Editora, 2015), o teatro (Anjas ao Sol – 2015), o conto (Carioca de Café – 2009; Degraus do Passado – 2014) e o romance (A Mulher que Venceu Don Juan – Âncora Editora, 2013, estando em curso traduções deste livro na Roménia e na Hungria). Este último integra o Plano Nacional de Leitura para o Ensino Secundário e é tema de uma tese de mestrado na UNESP (Brasil).

A Biblioteca

Chegada a noite, volto a casa e entro no meu escritório; e, na porta, dispo a roupa quotidiana, cheia de lama e de lodo, e visto trajes reais e solenes; e, vestido assim decentemente, entro nas antigas cortes dos homens antigos, onde, recebido amavelmente por eles, me alimento da comida que é só minha, e para a qual nasci; onde eu não me envergonho de falar com eles e de perguntar-lhes as razões das suas acções. E eles com a sua bondade respondem-me; e, durante quatro horas, não sinto tédio nenhum, esqueço-me de toda a ansiedade, não temo a pobreza, nem a morte me assusta: transfiro para eles todo o meu ser.

(Nicolo Maquiavel, in “Carta a Francesco Vettori”)


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