Escrito por Jorge Gaspar em Dezembro 13, 2020
MARIA MÁXIMA VAZ “MEMÓRIAS PRESENTEANDO A REALIDADE”
ACONTECEU EM ODIVELAS UMA PÁGINA DE HISTÓRIA.
Quando estavam a decorrer os preparativos para a conquista de Ceuta, sobreveio
uma forte epidemia que atingiu, sobretudo, as cidades de Lisboa e Porto. D. João I e
Dona Filipa de Lencastre, deslocaram-se para Sacavém, onde não havia, até ali,
notícias de ter chegado a peste. Quando neste lugar começaram a adoecer algumas
pessoas, os reis vieram para Odivelas, na esperança de escaparem à epidemia. O Rei
partiu primeiro, seguido, algumas horas depois, pela Rainha e a Corte, mas Dona
Filipa de Lencastre já apresentava alguns sintomas de doença. Passados três dias
chegaram a Odivelas o Infante D. Henrique e o Conde de Barcelos vindos do Porto,
onde tinham estado a organizar os navios que viriam a fazer parte da frota que havia
de partir para a conquista de Ceuta.
O Príncipe herdeiro, D. Duarte estava junto da sua Mãe, que não mais abandonou e o
Infante D. Pedro, no cumprimento de ordens recebidas, encontrava-se em Lisboa,
supervisionando os preparativos para a conquista de Ceuta.
Tendo-se agravado, entretanto, o estado da Rainha, todos os filhos se reuniram à sua
volta, em Odivelas, acompanhados pelos membros da Corte. E puderam fazê-lo
porque aqui havia um paço real, que já existia no tempo do Rei D. Dinis, que continuou
a existir durante toda a Monarquia e do qual ainda havia de pé algumas dependências
no século XX, as quais vieram abaixo em 1922/23. Infelizmente, o zelo pela
preservação do nosso património ainda era inferior ao que existe hoje, por muito que
isso nos custe a acreditar. Se essa relíquia do século XIII existisse hoje em Odivelas,
seria, com toda a certeza, um motivo de atracção para muitos visitantes.
Foi neste paço que residiu a Família Real e a Corte, durante os últimos dias de vida da
Rainha, que estava consciente do seu fim.
Antes da sua doença, tinha já encomendado as espadas para serem armados
cavaleiros os seus três filhos mais velhos, que eram, por ordem de idades, D. Duarte,
D. Pedro e D. Henrique. Reconhecendo que os seus dias estavam contados e que não
lhe seria dado assistir a essa festa, decidiu entregar-lhas, mesmo sem a cerimónia que
isso implicava.
Mandou que lhas trouxessem e que os seus filhos se aproximassem do seu leito e
com ternas e sábias palavras lhas entregou.
Começando pelo filho mais velho, D.
Duarte, dirigiu-se-lhe nestes termos:
Meu filho, porque Deus vos quis escolher para serdes herdeiro destes reinos, eu vos
dou esta espada e vos encomendo que vos seja espada de justiça e vos encomendo
seus povos e que sejais sempre a defesa deles, não consentindo que lhe seja feito
nenhum desaguisado. E quando digo justiça digo justiça com piedade, porque justiça
sem piedade é crueldade.
Tomou depois outra espada e dirigiu-se a D. Pedro dizendo:
Meu filho , porque sempre vos vi muito chegado à honra e serviço das donzelas,
encomendo elas a vós, as quais vos rogo que sempre defendais.
Por último, chamou a si o Infante D. Henrique e, entregando-lhe a espada, disse:
A vós quero encomendar todos os senhores, cavaleiros, fidalgos e escudeiros destes
reinos, porque muitas vezes acontece os reis fazerem contra eles o que não devem.
Os infantes acolheram respeitosamente as palavras da Rainha e tranquilizaram-na
quanto ao que lhes pedia. Viveu ainda alguns dias, manifestando sempre grande
presença de espírito, até que a 19 de Julho de1415 faleceu. Realizadas as cerimónias
fúnebres, continuaram os preparativos para a conquista de Ceuta e só aí, depois da
conquista, é que os Infantes foram armados cavaleiros, tendo o Rei, para tal, mandado
purificar e benzer a mesquita, transformada assim em templo cristão.
Presença constante a Infanta D. Isabel, porque também ela esteve sempre na companhia da Rainha, em Sacavém e em Odivelas. Tinha então 19 anos. Aqui neste retrato a óleo, ajoelhada ao pé de sua Mãe, Dona Filipa de Lencastre. Já depois de ser condessa de Borgonha.
Esta é uma das mais comoventes páginas da História de Portugal e aconteceu aqui
nesta povoação chamada Odivelas.
Também a História tem lugares sagrados e um deles é, sem dúvidas nem hesitações,
todo o Largo D. Dinis que, infelizmente, tão pouco respeitado está a ser nos nossos
dias. Devia ser empenhamento de todos os residentes em Odivelas conservá-lo limpo.
Não peço muito, apenas imploro que não o sujem. Para mim os piores portugueses da
cidade de Odivelas são os que durante a noite se entregam à vergonhosa tarefa de
transformar em lixeira este local sagrado e nobre.
É urgente inverter esta situação. Pela minha parte, clamarei “até que a voz me doa”. É
a única coisa que, como cidadã, me é possível fazer. Aceito ajudas.