“MEMÓRIAS PRESENTEANDO A REALIDADE”
Escrito por Jorge Gaspar em Janeiro 10, 2021
MARIA MÁXIMA VAZ.
O CORTEJO FÚNEBRE DO REI D. JOÃO I PASSOU POR ODIVELAS.
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No último artigo que escrevi, falei da morte da Rainha Dona Filipa de Lencastre, informando as circunstâncias que levaram a que tivesse ocorrido em Odivelas.
Embora já tenha escrito, várias vezes, que a Corte veio de Sacavém, nunca me parece demais insistir nesta informação, porque tenho visto trabalhos escritos a afirmar que a Corte veio de Santarém para Odivelas, o que pode confundir os leitores. Como a História é filha das Crónicas, eu procuro, em primeiro lugar, ler as crónicas e colher nelas a informação. Se não tivermos documentos válidos que as contradigam, aceitemos as afirmações das crónicas.
Ora, são precisamente os cronistas que nos dizem que a Rainha e a Corte vieram de Sacavém para Odivelas. É que Sacavém, Camarate, Unhos e Frielas eram terras da Coroa, o que quer dizer que eram terras do Rei. Em 1415 já tinham sido dadas a D. Nuno Álvares Pereira, pelo Rei D. João I, em recompensa pelos serviços prestados durante as lutas com Castela. Não podemos estar a pensar na Sacavém de hoje, porque não é a mesma realidade. E não queiramos corrigir a História, achando que a Corte deveria era vir de Santarém, porque, a nosso ver, é mais importante do que Sacavém. Analisar o passado à luz do presente, é um anacronismo, erro que a História não aceita.
Esclarecido este ponto, quero completar a informação sobre o falecimento da Rainha.
Como já estava preparada a armada para a conquista de Ceuta quando ocorreu este triste acontecimento, não pode atrasar-se a partida por muitos dias, razão pela qual a Rainha ficou sepultada em Odivelas e aqui permaneceu durante quinze meses. Só depois de regressarem de Ceuta é que se procedeu à trasladação do seu corpo para o Mosteiro da Batalha.
No ano de 1433, Odivelas foi novamente cenário de cerimónias fúnebres, desta vez do Rei D. João I.
Faleceu este monarca nos paços da Alcáçova em Lisboa e realizaram-se na Sé as cerimónias fúnebres.
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Terminadas estas, organizou-se o cortejo com destino a Odivelas.
O ataúde foi posto numa carreta, toda armada de luto. Dentro de Lisboa, o féretro foi conduzido por D. Duarte, os Infante e os Condes, e ia assim organizado:
Na frente caminhavam cinco belos cavalos, ricamente ajaezados e conduzidos por nobres. O primeiro ia coberto de damasquim branco e vermelho, tendo bordadas as armas de S. Jorge;
A cobertura do segundo era de damasco vermelho e azul, tendo bordadas as armas do Rei;
O terceiro levava cobertura igual, com excepção do bordado que, em vez das armas reais, tinha o mote de D. João I – “ por bem “ – repetido várias vezes;
O quarto cavalo tinha cobertura do mesmo tecido e das mesmas cores, mas com pilriteiros bordados, emblema que o Rei adoptara de sua esposa;
O quinto ia todo coberto de damasquim preto, sem qualquer bordado.
Depois deles, vinha então a carreta com o falecido monarca e, após ela, doze cavaleiros de estirpe, conduzindo as bandeiras e armas do Rei – o elmo, o estandarte, o guião, a lança, a acha, o escudo, a espada. Imediatamente a seguir, numerosas pessoas vestidas de burel, fazendo pranto.
À saída de Lisboa, foram atrelados à carreta quatro cavalos, tendo D. Duarte e os seus irmãos montado a cavalo. Vinte e quatro monges segurando tochas acesas ladeavam a carreta, rezando. Assim chegou o cortejo, ao entardecer do dia 25 de Outubro de 1433, a Odivelas, onde o esperava o Abade de Alcobaça, a Dona Abadessa de Odivelas, outros abades, religiosos e religiosas. No Largo do Couto, que é hoje o Largo D. Dinis, parou o cortejo e o féretro foi retirado do carro que o transportava e, desatrelados os cavalos, todos os cavaleiros desmontaram. O Rei defunto foi levado para a igreja do mosteiro, seguido de todos quantos o acompanhavam e também dos que aqui o aguardavam. Ficou uma noite na igreja do mosteiro, sendo feito o velório por todos os Comendadores da Ordem de Cristo, e presidido pelo Infante D. Henrique. No dia seguinte seguiu o cortejo fúnebre com destino ao Mosteiro da Batalha, onde já se encontravam os restos mortais da Rainha, também ida de Odivelas, em fins de 1416.
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Se outros factos não tivessem aqui acontecido, estes eram suficientes para elevarem Odivelas à categoria de cidade histórica, e conferirem a este largo um carácter sagrado. Mas há ainda muitos outros factos que se juntam a estes e que eu tenho narrado e hei-de continuar a narrar, até convencer os habitantes de Odivelas que temos obrigação de defender e respeitar o nosso património. E estes acontecimentos são património tão valioso como os edifícios que os perpetuam. É este património que valoriza Odivelas. Qual é a povoação dos arredores da capital que se pode orgulhar de ter um tal património?
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Centros comerciais, torres de betão, vias rápidas, ruas a abarrotar de carros topo de gama, todas têm, mas não é isso que as enobrece. Odivelas faz a diferença pela sua história. Os agentes económicos estão a começar a entender esta verdade. Dar nomes históricos a urbanizações e a estabelecimentos comerciais é terem percebido que isso valoriza os seus produtos, e aplaudo com as duas mãos, mas quero lembrar-lhes que isso implica também deveres – colaborar na preservação desse património.
Se cada um fizer a sua parte, todos ganhamos e um dos factores de valorização de Odivelas a considerar será, sempre, a sua História.