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NO ESCREVINHAR DE SANDRA RAMOS "ESCRITA E MÚSICA DE MIGUEL JESUS GIZZAS"

Escrito por em Setembro 19, 2020

Sandra Ramos à conversa com … no seu Escrevinhar. (escrevinharsandraramos.wordpress.com)

Encontrámo-nos numa Feira do Livro de Lisboa atípica e tardia. As gentes, apaixonadas pelas bancas ou apenas a passear pelo Parque, circulam de máscara, hábito já costumeiro. Conversámos sobre o recente lançamento de  Lugar para dois e sobre umas coisinhas mais…

Em anos transactos, trabalhaste na tua área de formação académica, a Economia, chegando mesmo a ser docente universitário e a trabalhar em multinacionais. Como foi deixar essa vida e passares a dedicar-te em exclusividade à música?

Não deixei, nem conto deixar nos próximos tempos. Manter uma atividade fora da literatura e da música é uma escolha que dá muito trabalho, mas também nos permite criar sem compromissos, sem a pressão do tempo. Criar por criar, que é a essência da arte.

Habitualmente há algum receio em trocar-se uma profissão mais previsível por outra que possa ser mais dada ao imprevisto e à sazonalidade, como as artes. Sentiste isso? Como reagiram as pessoas em geral a essa mudança?

Apesar de, como ter dito, não viver apenas da arte, em todas as áreas há receios. Se estamos de um lado criativo, temos o receio do dia seguinte, como o temos se estamos numa profissão mais “previsível”. Os medos são outros.

Desde novo que sentiste o apelo da música ou foi algo que se foi desenvolvendo ao longo do teu crescimento como pessoa?

Tenho a música em mim desde sempre. Como todos temos. Todos precisamos da música, todos a ouvimos, alguns fazem dela profissão, mas não significa que a amem mais. No meu caso, que sempre tinha sido rodeado de música (cantei muitos anos nos Pequenos Cantores de Lisboa), aconteceu um episódio curioso: com a minha evolução como economista, passou a tornar-se comum ter que fazer apresentações aos quadros da empresa onde trabalhava. E a minha timidez era um obstáculo. Como os obstáculos estão lá para serem superados, resolvi cortar o mal pela raiz de forma mais ou menos radical: decidi ser músico em bares, expor-me. Essa atividade obrigar-me-ia a ultrapassar o meu medo do palco. Como o fez.

Em 2011 assumiste a música como profissão, tendo lançado o álbum Tempo ganho. Como defines a tua música, que influências deixas transparecer? A entrada oficial no mercado, após anos de actuações em bares, foi ao encontro do que esperavas?

Esse arranque foi feito de muitas emoções. Algumas boas. Muito boas. Mas rapidamente aprendi uma grande lição: mais do que o talento, é a resiliência que faz um artista. É normal um artista ouvir “nãos” às suas ideias e concretizações. Nove em cada dez respostas são “nãos”.

As minhas influências são muito latas. Sou influenciado mais pelas histórias do que pela música. As músicas que mais me marcaram tinham poemas que me fizeram abanar.

Em 2014 lançaste o Até que o mar acalme e em 2017 O dia em que o mar voltou. Ambos são simultaneamente música e romance, cd e livro, numa simbiose que acabou por se tornar a tua marca própria. São duas áreas que te apaixonam por si só, independentemente, ou consideraste que poderiam exercer um poder promotor e complementar uma da outra? Sentiste que essa ligação converteu os teus ouvintes em leitores ou vice-versa?

A entrada no mundo da literatura acabou por ser um passo natural para quem se sentia tão ligado aos poemas. Diziam-me muitas vezes que eu escrevia melhor do que cantava e acho que concordo com essa afirmação. A literatura é uma arte que exige mais. Exige mudanças muito profundas em nós, mais do que a música. Exige que passemos a viver grande parte do nosso tempo fechados em mundos que criámos e que temos que trazer à luz do dia. Fecharmo-nos em nós para criar algo para os outros. Mas para que os outros o sintam, temos que, afinal, estar expostos, abertos. Uma incoerência que congemina dentro de nós, muito difícil de gerir, mas que se entranha. A escrita tem-se tornado normal em mim, como uma casa, a minha casa. A música é o meu ritmo. Juntar as duas coisas é como criar um lugar muito único, e aí eu sinto estar onde pertenço. E são, por isso, a minha marca.

Nem todos os meus ouvintes são meus leitores, nem vice-versa. Gostamos de um cantor pela sua voz, e se por vezes esse cantor altera a sua voz, escrevendo em vez de cantar, podemos sentir-nos traídos.

Em tempos de Covid, acabaste de lançar um novo cd-romance que se denomina Lugar para dois, com um nítida influência africana. Em termos de espectáculos, este ano revelou-se muito castrador. Como tens promovido este novo cd-romance?

Os espetáculos que tive que cancelar ou adiar este ano eram ainda referentes ao disco e romance anteriores. Agora estou a lançar o novo romance, é tempo de disfrutar da história e dos temas musicais que a envolvem. Depois será outro tempo, o de arrancar para os palcos nacionais com novo espetáculo, baseado, esse sim, neste romance que agora foi lançado.

Na música és conhecido como Gizzas, nome artístico que advém, penso eu, da leitura anglicizada do teu sobrenome Jesus. Esse foi também o nome artístico com que assinaste os teus dois primeiros romances, no entanto neste último apareces como Miguel Jesus. A que se deve essa alteração? Coexistirão um Gizzas na música com um Jesus na escrita?

Há muitas explicações para essa pergunta. Deixo uma: por vezes vamos demasiado longe à procura de nós próprios. Talvez sinta que estou a voltar para casa.

Nos teus vídeo-clips participam habitualmente actores conhecidos do teatro e televisão. Procuras a integração das várias artes no teu trabalho, funcionando como agregador de talentos?

Estou longe de ser um agregador de talentos. Sou antes um admirador de talentos, e talvez por isso goste de criar em conjunto. Mas sim, procuro a integração das várias artes no meu trabalho, o anterior cine-concerto, onde se integraram o cinema, a música e a literatura, foram apenas o arranque de uma ideia que vai ganhar asas já no próximo concerto. Vai ser surpreendente, estou em crer.

O que é que ainda não fizeste e gostarias de fazer em termos musicais?

Ainda não fiz nada, mas já fiz tudo. Porque ainda me falta crescer muito. Mas quando encontro um caminho que faz sentido, não paro enquanto não o atinjo. De forma prática, já sei exatamente que barreira vou quebrar a seguir, para que o meu caminho enquanto artista continue a alargar-se. Já sei, mas ainda não posso dizer.

Há alguma questão a que gostasses de ter respondido mas que não te tenha sido feita?

Talvez uma: Que legado gostavas de deixar um dia? O problema é que, porque estamos sempre a evoluir, essa resposta nunca pode ser dada.

(Sandra Ramos – Escrevinhar)


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