PARTIR OU FICAR?

Há um conto de um autor húngaro de que me tenho lembrado
muito nestes últimos dias.

É a história de uma mulher presa há muitos anos e que, de
repente, foi libertada. Vivia na prisão com uma filha pequenina,
que nunca conhecera outra vida.
Uns dias antes de ser posta em liberdade, ela vai com a menina
perto do arame farpado e diz-lhe que vão para casa, que ela vai
ter um quarto só para ela, brinquedos, e que vai poder brincar
com eles no jardim.
–A casa é longe daqui, mãe?
–Sim, minha querida, muito longe.
–E vamos viver para lá?
–Claro, é a nossa casa.
A menina fica em silêncio. E depois pergunta:
–E pode-se fugir de lá?

Pronto. A história é esta.
O que acontece é que, depois destes confinamentos todos, eu
estou a sentir o mesmo—mas ao contrário… Pronto, está tudo
resolvido, já podemos ir para a rua,viajar…mas…não podemos
voltar para casa?

Eu, que às 8 da manhã já estava na rua , e andava para cá e para
lá, e apanhava comboios e camionetes para aqui e para
ali…agora invento tudo para não ir à rua.
Claro que tenho saudades de muitas coisas : de não ver os meus
netos, de os beijocar e abraçar—mas cá em casa.
Saudades dos jantares que eu fazia para as minhas amigas em
que nos divertíamos imenso até às tantas—cá em casa.

Pareço aquela cantiga dos “Deolinda”, “agora não, que é hora do
almoço/ agora não que é hora do jantar /agora não que me dói
a barriga /agora não , porque joga o Benfica…etc “—tudo
desculpas para ficar em casa.

Não há dúvida, a gente habitua-se a tudo.
Mas espero, muito sinceramente e para bem de todos, que este
desconfinamento seja para durar.

“AS MINHAS HISTÓRIAS NAS ONDAS DO ÉTER”

A BLUSA VERDE