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RESISTÊNCIA

Escrito por em Maio 1, 2021

Está a passar na RTP-2 um programa chamado “Mulheres
da Resistência”, ou seja, entrevistas com mulheres
portuguesas que lutaram contra a ditadura. A última foi
Aida Magro.

Fui muito amiga do José Magro (na altura seu marido).Era
um homem extraordinário. Passou 21 anos na prisão, foi
torturado para ver se o conseguiam fazer falar—e nunca
falou.

Escrevia-me imensas cartas da prisão de Peniche—e
sempre preocupado comigo, se eu tinha ido ao médico,
se estava a fazer o que ele mandava, etc. Ele, com todos
os seus problemas—e preocupado com a minha saúde..
Era sempre uma complicação ir vê-lo. Porque eu não era
da família, o que é que eu ia lá dizer-lhe—e muitas vezes
fiquei à porta.
Mas às vezes lá havia um ou outro guarda mais
condescendente que me deixava entrar “mas apenas por
5 minutos!”
Ainda hoje me lembro do barulho das portas da cadeia a
fecharem-se atrás de mim.

Depois éramos levados para o parlatório, onde havia um
enorme vidro a separar-nos, e um guarda sempre

ao nosso lado

para ouvir o que dizíamos—e se alguém falava
baixo ele gritava logo “mais alto!”
Nunca vi o Zé Magro sem ser a sorrir.

E no meio de toda aquela vida entre grades—o Zé Magro
escrevia poesia, numa letra muito miudinha para o papel
render mais. Foi libertado logo a seguir ao 25 de Abril, e
nunca esteve parado –até 1980, quando morreu, na
consequência de tudo o que tinha sofrido na cadeia.

Nesse ano ainda conseguiu publicar o seu livro de
poemas”Torre Cinzenta”. Lembro-me de estar com ele
numa das sedes do PCP, a escolher os poemas para o
livro, e ele a rir “fecha-me essa porta! Eu, com uma
manifestação na rua, e aqui a ler poemas!”
E ríamos…

Eu adorava o Zé Magro. E ainda hoje,41 anos depois de
nos ter deixado, tenho muitas saudades dele e do seu
sorriso.

 

“AS MINHAS HISTÓRIAS NAS ONDAS DO ÉTER”

JOSÉ MAGRO (1920-1980)
Não há quem, na longa ditadura fascista, tenha ultrapassado este antifascista no número de anos em que esteve afastado de uma vida normal, da família e dos amigos. Coragem e abnegação. Uma vida dedicada à causa da Liberdade e da Democracia para o povo português: 21 anos nas prisões fascistas e 10 anos na clandestinidade.
1. Nascido em Lisboa, na freguesia operária de Alcântara, participou activamente nas lutas estudantis de 1937/1942. Ainda estudante, em 1940, aderiu ao PCP, cujo quadro de funcionários clandestinos integrou desde 1945. Em 1946, está entre os militantes que participam no (histórico) IV Congresso do PCP.
Pouco depois, foi destacado para funcionário do Movimento de Unidade Nacional Antifascista (MUNAF), tarefa que assegurou durante três anos. No cumprimento dessas tarefas, deslocou-se para o Norte do País, de forma a assegurar um contacto regular com o presidente do Conselho Nacional do MUNAF, general Norton de Matos, que residia em Ponte de Lima.
Em 1949 José Magro reingressou no quadro de funcionários do PCP e integrou a direcção da organização do Porto. Mas devido à vaga de prisões ocorrida nesse ano – Álvaro Cunhal, Militão Ribeiro, Sofia Ferreira, António Dias Lourenço, Georgete Ferreira, entre outros – voltou para Lisboa, tendo como tarefa principal assegurar o controlo, na organização do PCP, do conjunto de empresas dos arredores de Lisboa. Por essa altura, foi cooptado para membro suplente do Comité Central do PCP. Em Janeiro de 1951 é preso pela primeira vez.
Submetido às mais violentas torturas, recusou-se sempre a prestar declarações. Libertado em Fevereiro de 1957, regressa à clandestinidade, desenvolvendo a sua actividade primeiro no Norte e novamente em Lisboa, desta vez na preparação das «eleições» presidenciais de 1958 (Arlindo Vicente e Humberto Delgado). No ano anterior, no V Congresso do Partido, fora eleito para o Comité Central.
Novamente preso em 1959 e novamente sujeito a violentas torturas, José Magro manteve a sua postura firme perante os carcereiros. Em Dezembro de 1961 está entre os participantes na histórica fuga de Caxias no carro blindado – de que foi o principal organizador.
De volta à liberdade, regressa também à luta, assumindo um papel destacado na grande jornada de luta de 1.º de Maio de 1962. Mas seria novamente preso, só saindo da prisão no dia 27 de Abril de 1974. Tinha, então, 54 anos – 21 dos quais passados na prisão.
2. Resistiu sempre aos brutais interrogatórios a que foi submetido pelos torcionários da PIDE.
Cada interrogatório era visto visto por ele como uma batalha com o inimigo – uma batalha que travava «com serenidade». Nas suas «Cartas da Prisão» fala da sua alegria e do seu orgulho após cada uma dessas batalhas – «A alegria e o orgulho de (obter) vitórias sucessivas sobre torturadores profissionais» – e desvenda a origem da serenidade com que encarava cada confronto com as bestas da PIDE: «A minha serenidade reside só na consciência de ser capaz de sofrer por muito tempo, ou de morrer mais ou menos depressa, pelos interesses da minha gente». Pouco tempo antes de ser libertado, escreveria:
«Sou um funcionário do Partido, qualquer que seja a situação. Serei útil, mais ou menos, conforme a situação, é bem certo!; mas sei por experiência que, de algum modo, o poderei ser sempre.
Até os meus vinte anos de cadeia, infelizmente, terão a sua utilidade prática, ao revelar aos olhos do país e do estrangeiro o que é o fascismo, a dureza do seu carácter repressivo, a violência fria do seu ódio de classe; e, ao mesmo tempo, ao mostrar a capacidade dos comunistas para resistir e superar longas e sacrificadas provas como esta».
3. Depois do 25 de Abril, foi membro da Direcção da Organização Regional de Lisboa do PCP e deputado à Assembleia Constituinte e à Assembleia da República. Foi reeleito para o Comité Central do Partido em todos os congressos, até à sua morte em Fevereiro de 1980.
Aida Magro (1918- 2011), com quem casou, foi a sua companheira de sempre. (1)
Em 2007, 27 anos depois da sua morte, o PCP publicou em Edições Avante o livro Cartas da Clandestinidade, da sua autoria.
Nota:
(1) A «histórica militante do PCP» Aida Magro nasceu e viveu a sua adolescência em Angola, onde as condições de vida da população negra a preocupavam muito. Em Portugal envolveu-se em várias lutas estudantis até acabar por se tornar militante do Partido Comunista Português em 1942, com 24 anos. Formou-se em Engenharia Química.
Em 1945, passou à clandestinidade como funcionária do PCP assumindo, entre outras tarefas, o controlo do Comité da Zona Oriental de Lisboa, na altura a zona operária mais importante da cidade. A sua actividade neste partido levou-a a viver 12 anos na clandestinidade e seis anos na prisão de Caxias.
«O casamento com José Magro, muito mais do que um compromisso pessoal, representou um compromisso com o colectivo partidário, a um nível de exigência e perigosidade que longe de a fazerem vacilar, mais fortaleceram as suas opções, por mais sofrimento pessoal que lhe exigissem. Obrigada a mergulhar na clandestinidade, de 1945 a 57, foi muito além da disciplina e do rigor no cumprimento das tarefas específicas das mulheres: manter a segurança das casas clandestinas, alimentar rotinas de aparente normalidade, aquietar a curiosidade dos vizinhos, encenar cuidadosamente a vida de um casal vulgar. Suportou o isolamento e a solidão, a doença, a monotonia e a burocratização do trabalho, o stress permanente, as súbitas mudanças de casa (passou ao todo por catorze casas clandestinas) por cada vez que se levantavam suspeitas (com ou sem fundamento) de que a PIDE andava por perto. Inventou comida e roupa, desmanchou pacientemente à mão fatos gastos do marido, costurando-os depois do lado do avesso, para que parecessem novos, construiu mobílias de caixotes velhos e, tentando romper com a tradicional subalternidade das «companheiras», colaborou activamente nas publicações clandestinas do partido, às quais, por sua iniciativa, se juntou A Voz das Camaradas».

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