TEATRO O BANDO ESTREIA “A PORTA”
Escrito por Jorge Gaspar em Abril 2, 2021
De Gonçalo M. Tavares no regresso à cena a 19 Abril.
Um espetáculo sobre dedução e capacidade de raciocínio, em que se seduz o público, através de passagens, é como o encenador João Brites define a peça “A Porta”, que a companhia O Bando estreia no dia 19, em Palmela.
Com dramaturgia e encenação de João Brites, “A Porta” tem interpretação de Juliana Pinho e vai estar em cena até 21 de maio.
A música é de Jorge Salgueiro, a cenografia de Rui Francisco, o desenho de som e luz de Philippe Domengie, a operação de cena de Dora Sales, a de dom de Inês Gregório e a de luz de Rita Louzeiro e Nicolas Manfredini.
“O que levo na cabeça é isto mesmo: levo a impaciência.
E a impaciência pesa e não se pode colocar no chão para depois a vir buscar mais tarde. Não é assim um peso tão fácil de dispensar. A impaciência não se pode esquecer, mesmo nos ataques de amnésia. Há acidentes violentos em que a cabeça e as mãos perdem tudo, todo o raciocínio e memórias, mas mantêm a impaciência.
A impaciência; sem ela, seríamos mais calmos.
Mas sem ela, ainda estaríamos do mesmo lado.
Nascíamos num lado e ficávamos nele.
Nunca percas a impaciência, disse o meu pai.
Baseada no texto homónimo de Gonçalo M. Tavares, e em várias entrevistas realizadas sobre “o que é uma porta”, João Brites construiu um espetáculo para uma só atriz, em diálogo com o público, na expectativa de que cada espectador “já leve uma [ideia de] porta na cabeça”.
“A Porta” abre exatamente no dia em que as salas de espetáculo retomam a atividade e tem em si o desafio da comunicação, de ser possível o entendimento entre todos e cada um, no espaço cénico. O anúncio da nova produção, com dramaturgia e encenação de João Brites, foi feito no final de 2020, a poucos dias do regresso ao confinamento, dentro de portas, por causa da covid-19. Na altura, a companhia pedia ao seu público para não perder a impaciência, para “abrir a porta” e dar com com o mundo. O apelo mantém-se.
“Nós, sem querermos, criamos uma imagem da porta. E fiquei impressionadíssimo com as questões que as pessoas levantaram nas entrevistas que fizemos”, para a conceção da peça, disse à Lusa o encenador, acrescentando que “uma pessoa sem portas parece que se desintegra”.
“Pode até não haver porta, como em alguns sítios no Alentejo, em que há terrenos a perder da vista e nos quais toda a gente entra através de um esboço de uma porta”, precisou. Mas há, portanto, esse esboço de uma passagem. Uma hipótese de passagem.
“Parece que nós precisamos de ter uma possibilidade, não é? Eu acho que este espetáculo é sobre essa possibilidade, sobre nós detetarmos essa possibilidade (…), porque nós andamos perdidos completamente, quando não temos uma possibilidade”, frisou, acrescentando que precisamos sempre de “estar de passagem, estar de saída”. Portanto, de ter uma porta.
“Não digo que seja uma saída para uma outra coisa completamente diferente”, prosseguiu João Brites. “As portas estão presentes na nossa vida em todo o lado. É raro não termos uma porta em qualquer sítio”. E que quando não existe uma porta “é o pôr do sol que se coloca ali, e mentalmente a gente constrói uma porta”.
A natureza e a astrologia indicam-nos uma série de portas. “Mesmo nos sítios onde não as há. Como num sítio completamente deserto, em que parece que há uma sempre orientação, há sempre uma possibilidade”.
Daí que, para o encenador, o importante é que cada espectador construa a sua própria narrativa e a sua própria possibilidade. As suas portas.
Deste modo, “criar um território para que alguém crie a sua porta” foi, pois, o objetivo da conceção do espetáculo, para o qual se entra através de um túnel sem que o espectador saiba onde se encontra.
“Como se de um processo iniciático se tratasse”, frisa João Brites.
Percorrido o túnel, o público atinge a sala da qual vê apenas três grandes janelas até ao chão. Após algum silêncio, na escuridão, uma mulher começa a perfilar-se num espaço rural, por trás das portas onde decorre todo o espetáculo.
Um grito de apelo emitido pela mulher dá início à peça, ao mesmo tempo que a figura feminina vai emitindo sons sem significado percetível. A pouco e pouco, a mulher vai-se aproximando das janelas, nas quais vai traçando riscos, ora com um bâton vermelho, ora com uma caneta branca.
Ao fim de pouco tempo, vislumbra-se uma porta de madeira, com a qual a mulher vai interagindo, pensando-se que o objetivo desta seja transpô-la.
A porta, enquanto objeto, é sempre verbalizada pela figura feminina ao longo da peça, tanto mais quanto se vai aproximando das janelas, dando ao espetáculo uma característica semelhante a um grande plano cinematográfico. Uma característica que João Brites admira, sustentando que construiu este espetáculo com a ideia de cinema.
“Este espetáculo era sobre o grande plano, era sobre o grande plano do cinema”, como “se fosse um cinema sobre a interioridade”, afirma, reiterando que a ideia era contagiar e mobilizar “o público pela sedução”.
A determinada altura da peça, a figura feminina aproxima-se cada vez mais das janelas, buscando ajuda de quem está a vê-la. E aqui reside um dos que pode, ou não, ser um dos enigmas da peça, já que esta pode terminar por aqui, caso os espectadores não respondam ao apelo surdo, que o olhar da figura feminina impõe.