TESTAMENTO VITAL
Escrito por Jorge Gaspar em Fevereiro 8, 2021
Nos dilemas éticos do fim da vida.
J. Filipe Monteiro
Chancela Guerra & Paz
O COVID-19 chamou-nos a atenção para os cuidados no final da vida. A morte mais solitária, sem acompanhamento familiar, mais justifica que retomemos, em Portugal, um vivo debate sobre a importância do Testamento Vital.
Nas últimas décadas, os impressionantes avanços na tecnologia médica, ao permitirem um suporte aos órgãos em falência, permitiram que milhares de vidas fossem salvas. Contudo, o reverso deste progresso tem estado na origem de inúmeros conflitos éticos do fim da vida.
Neste livro, ao longo dos vários capítulos, são discutidos e reflectidos, entre outros, o percurso histórico, os aspectos técnicos e filosóficos, a perspectiva de algumas religiões e organizações médicas, bem como alguns equívocos que estão na origem dos dilemas éticos.
Para mitigar os problemas éticos do processo da morte tecnológica, nomeadamente a obstinação terapêutica, foi legislado o Testamento Vital ou Directivas Antecipadas da Vida.
O livro Testamento Vital, nos dilemas éticos do fim da vida, por J. Filipe Monteiro, médico, Guerra e Paz Editores, 2020, é uma expressiva viagem sobre as formas de pensar e agir no universo dos cuidados intensivos, onde em muitos casos os doentes hospitalizados no contexto de situações agudas, acarretam problemas, e um deles é delicadíssimo, o da fronteira entre a distanásia (obstinação terapêutica) e a eutanásia (precipitar a morte por vontade do doente). É uma narrativa que fala pela trajetória histórica, filosófica e religiosa, sobre o fim de vida de quem sofre de doença incurável e que pode até ter dores atrozes. Hoje há dilemas bioéticos, a tecnologia evoluiu de tal modo que se pode prolongar a vida a quem falta um órgão, por exemplo, a medicina intensiva é confrontada com situações delicadíssimas. J. Filipe Monteiro dá-nos o itinerário dessa medicina de cuidados intensivos e põe a questão de quem define a limitação terapêutica. “A medicina é uma ciência de probabilidades e não de certezas. A dúvida, por mais limitada que seja, é inerente à prática da medicina”. Para o leitor interessado, é estimulante esta viagem pela civilização greco-romana e chegar à época contemporânea, onde um médico também é confrontado com direitos dos doentes como seja o consentimento informado, uma das bases do princípio da autonomia do doente. E levanta questões bem delicadas: os obstáculos ao prognóstico e à limitação do tratamento: como interromper ou não iniciar tratamentos de suporte de vida; as bases filosóficas da obstinação terapêutica; o papel fundamental do envolvimento da família, relevante quando o doente está incapacitado, e casos há em que a família em si necessita de cuidados médicos; procurar conhecer os limites da intervenção terapêutica e o direito à dignidade no processo de morte; o profundo respeito pelas crenças religiosas do doente e qual a posição das instituições internacionais em todas estas situações de fim de vida. E assim chegamos às diretivas antecipadas de vontade que tomam forma no Testamento Vital, a Lei N.º 25/2012 de 16 de julho. O seu objetivo último é a preservação do princípio de preservação da autonomia do doente, como já se sublinhou atrás. “Um Testamento Vital explícito pode especificar com que medidas ou atitudes o doente estaria de acordo ou quais recusaria. A decisão pode incluir tratamentos como antibióticos, hidratação, alimentação, analgésicos, ventilação, transfusão sanguínea ou ressuscitação cardiopulmonar”. A coroar estes objetivos é a possibilidade de uma pessoa ter uma morte digna e evitar tratamentos desnecessários para o prolongamento artificial da vida. Há outro princípio que não deve ser escamoteado, que é o de retirar o peso e a angústia da decisão aos familiares. O livro mostra como se elabora um Testamento Vital e conclui dizendo que parece limitar o angustiante dilema da obstinação terapêutica e é essencial ao cumprimento de todas as pessoas envolvidas. “O Testamento Vital não é uma solução mágica para o fim da vida, mas deve ser, da parte do doente, um exercício de cidadania que permite evitar muitos cenários de obstinação terapêutica e proporcionar uma morte digna”.
(Mário Beja Santos)
J. Filipe Monteiro é médico pneumologista. Desempenhou as funções de assistente hospitalar no Hospital de Santa Maria, onde exerceu, entre outros, o cargo de coordenador da Unidade de Cuidados Intensivos Respiratórios e da Consulta Externa de Pneumologia Geral. Foi ainda assistente convidado da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Colaborou em vários livros de texto na área da patologia respiratória. Autor de inúmeros trabalhos de investigação no âmbito da pneumologia geral e problemas éticos do fim da vida, publicados em Portugal e no estrangeiro.